terça-feira, 31 de março de 2015

Henrique Avancini Comenta sobre seu título do Pan-Americano

Depoimento de Henrique Avancini 
Em 2006, ganhei minha primeira medalha de ouro num Campeonato Panamericano de MTB, na categoria Junior. De lá pra cá, passei por muitas mudanças, experiências e aprendizados.
Com o ouro conquistado, agora como elite, dá pra dizer que fui abençoado por Deus nesses anos.


O planejamento desta temporada foi mais do que pensado. O maior benefício da minha entrada na CFR foi ter a liberdade de “sacrificar” o rendimento em provas menos importantes e dar atenção maior as principais competições.
Ganhei a Taça Brasil, depois segui pro Chipre, onde eu deveria fazer uma prova mais no limite, como teste para ver onde eu estaria. Voltei ao Brasil para competir “mais morto do que vivo” em Araxá. O que foi ótimo. Em competições onde o físico não responde, vale a preparação mental para suportar o stress e para correr com inteligência. Após Araxá, passei uns dias em casa e viajei para Colômbia para um período de treinamento com meu mestre. Escolhi viajar para Colômbia, para que o efeito pós prova não fosse tão agressivo.
A aclimatação na altitude é importante, mas para uma prova de um dia confesso que a diferença de rendimento não é tão grande (pelo menos pra mim).
Uma vez meu médico José Kawazzoe, me disse que quando se compete na altitude em parte o efeito é fisiológico e em parte psicológico. E faz muito sentido. Alguns atletas acham que se fizer aclimatação – e fizer da maneira correta – vai chegar a 2600 e andar como se estivesse na praia. Sonha garoto!
Você só rende quando se convence que aquela sensação de mal estar, respiração mais forte, pouco torque, recuperação mais lenta, náusea e visão embaçada acontece com todos! Mesmo os caras que nasceram, treinam e vivem nessa altitude. Só que é uma sensação muito ruim. Você se sente mole, quanto mais força faz, só aumenta a vontade de vomitar e é difícil convencer sua mente que está tudo bem e que ela pode deixar o corpo continuar moendo...
Sinceramente, fui campeão Panamericano antes mesmo de largar, pois estava claro pro meu corpo e mente que eu teria que lidar com esse sensação.
Ganhar dos Colômbianos na Colômbia é quase um mito. Sinceramente, os caras voam aqui e andam como os melhores do mundo. Prova disso: fizeram 2°,3° e 4°. Em quinto ficou o Canadenses Raphael Gagne, que está voando e ganhou uma etapa e fez segundo em outra da US Cup, nas semanas anteriores e inclusive ganhando de algumas estrelas do circuito mundial.

A corrida. O circuitinho duro! Competi todas as provas desse ano com coroa 36, mas nessa pista tive que abaixar a bola e colocar uma com 34 dentes.
Sabia que eu deveria controlar a intensidade em algumas partes para não sair do meu ritmo e “esgoelar” nos vários topes curtos. Competi leve e muito potente, por isso conseguiria fazer diferença nas partes explosivas. Largamos e na primeira volta tentei não me matar logo no começo. No começo da volta estava em quarto. Paolo Montoya liderava, seguido pelo argentino Soto e pelo americano e defensor do título Stephen Ettinger. No meio do caminho consegui lançar uma aceleração e passar o Soto e o Ettinger. O americano reagiu e seguiu na minha roda. Logo depois alcancei o Costa riquenho que já pagava a conta pela largada absurdamente forte. Quando passei por ele o Ettinger veio junto e já abrimos uma pequena vantagem pro grupo. Em uma subida mais dura, escutei a respiração do americano e o peito dele já roncava alto. Comecei a abrir dele, mas estava controlando o ritmo. Competir no XCO é muito auto conhecimento. Não dá pra controlar o ritmo que você está. Você tem que sentir em qual ritmo está e na altitude essa sensibilidade é ainda mais importante, porque quando você “explode” não volta nunca mais. Na parte baixa da pista, vinham os topes lançados e ali eu andava sob controle. Abri uma pequena vantagem e fechei a primeira volta com cerca de 10 segundos a frente, perseguido por dois colombianos e o americano.
Olhei pra trás e pensei: Agora só depende de fazer a prova certa, porque esses caras vão sofrer pra me pegar. Segunda volta e no circuito lotado eu só ouvia aquela onda de gente berrando alguns segundos depois que eu passava. Era a dupla Colombiana Mejia e Paez vindo...Mas eu tinha algumas poucas vozes ao meu favor e que iam fundo nos meus ouvidos. Principalmente do meu treinador Helio de Souza, mas não vou falar dele. Só que esse cara é outro nível...
Terceira volta e as pernas já doíam como seu tivesse levado uma surra. Como diz um parceiro de equipe: É depois da terceira-quarta volta que a dor bate a porta e ai deixa de ser só físico e passa a ser mental.
Segui sobrevivendo e a diferença era de cerca de 20-25 segundos na quarta volta. Na quinta, de um total de sete, pensei: Agora tenho que “diminuir” esses caras. Tenho que definir a corrida agora.” Fiz aquela volta, e a diferença subiu pra 50 segundos e na sexta volta cheguei a ter 1 minuto e 20, o que é muito tempo pro XCO. Na última volta, pilotei como se estivesse em uma pista de ovos. Eu tinha a vantagem necessária pra poupar o equipamento. Mais uma vez, manter a cabeça limpa e sem emoções faz uma diferença absurda nesses momentos. Emoção serve na preparação, na competição o atleta tem que ter sangue frio.
Mas nos últimos 100 metros, ai não dá mais. As vezes não quero mas o grito explode na garganta...Não é todo dia que a gente é Campeão Panamericano de XCO !

Se está bom? Não. Longe disso...Segue a vida e ta chegando a hora de espremer a cana de verdade.
Ainda tenho boa margem de melhora e muita vontade.

Obrigado meu Deus, por colocar as pessoas certas ao meu lado. A medalha é só uma, mas o mérito é de alguns.
E dá licença que eu tenho um treino pra fazer.


Fonte: Pagina do Atleta 
Foto: Pagina do Atleta